
3 de Julho de Mil Oitocentos e Sempre
- Peri Rudá
- 3 de jul.
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Corre o fogo.
O fogo corre.
E correm com ele,
cegos na chama
da pseudo-harmonia.
Deram sentido a esse fogo —
simbólico,
da tal independência da Bahia.
Mas corre o menino pela praça,
tropeça numa pedra,
bate a cabeça na vala,
no esgoto a céu aberto,
onde um dia seu pai também tombara,
por uma — talvez vida — perdida.
Do pai que, na escola,
só achou chicote e cola —
pra domar a bravura,
sufocar a loucura
de ser o que era.
Ao fogo forjaram...
Jogaram o vermelho no nada.
Do preto, desbotaram o pardo —
cor inventada pra apagar o grito.
As forças do vermelho da terra
ora choram,
ora chocam,
ora morrem sem demora.
Enquanto fingem festa,
o menino sangra na sarjeta.
Enquanto o tambor bate,
o prato vazio pesa mais que o estandarte.
Enquanto exaltam “independência”,
a ferida da terra continua aberta.
E o sangue — barro, raiz e lembrança —
escorre pelos becos – Ignorado.
Mas agora bradam,
bravos sem essência,
querendo a força do fogo —
esse que chamam de “simbólico”,
como se fosse bucólico,
depois de tantas mazelas
espalhadas nos caminhos
que hoje chamam favelas.
Mas quem lembra da sede?
Do barro nos pés?
Do vermelho ardendo nos olhos?
Quem carregou a lenha
pra esse fogo virar bandeira?
O fogo não é símbolo.
É cicatriz.
É chamado.
É chão batido.
Corre o fogo!
Na vala!
No esgoto!
Na favela!
Na carne da terra!
Na boca de quem sonha —
mesmo com a corda no pescoço.
O fogo não morre.
Tentam lavá-lo,
mas o vermelho volta.
Não com bandeira.
Com corpo.
Com fala.
Com fome.
E, se corre ainda,
é porque não esquecemos.
Nossa, Que poesia Rudá! Foi fundo nas mazelas que tantos passam e parecem invisíveis seus sofrimentos. Gostei de lê, de ver quanto alguém está preocupada com toda esta situação que nós entristece é que não devemos de forma alguma deixar-las invisíveis!
Parabéns.