A agenda cultural da Laurocriativa mostra que dia 20 de janeiro é o “Dia Nacional da Consciência Indígena”. Trouxemos algumas considerações para nossos leitores..
Vamos lá?
A referência mais citada para o "Dia Nacional da Consciência Indígena" está ligada a homenagem aos chefes Tupinambás Aimberê e Cunhambebe líderes da Confederação dos Tamoios na Guerra dos Tamoios entre 1554 e 1567. Resumidamente o embate se deu pela aliança dos Tamoios aos franceses para combater os invasores portugueses, por sua vez apoiados por outros povos indígenas. Os Tamoios representam os grupos de povos indígenas no tronco linguístico tupi que há mais tempo se instalaram no território de Pindorama (nome do território brasileiro antes do descobrimento). O fim das batalhas se deu com o apoio militar enviado por Portugal derrotando os Tamoios, sangue, escravidão e morte.
Encontramos também a homenagem ao líder Sepé Tiaraju, que comandou a revolta dos Sete Povos das Missões apoiado pelos jesuítas, na “Guerra Guaranítica” contra o Tratado de Madri. O levante Guarani foi contra a dominação espanhola e portuguesa no Rio Grande do Sul se deu em oposição da opressão escravocrata dos colonos e defesa do seu território ancestral indígena.
Pra falar destas questões é importante relatar nossa experiência, de nossos ancestrais Tupinambás. Ao chegar em Pindorama, Cabral possibilitou ao império português reclamar a propriedade do território ao qual deram o nome de Brasil. Pois bem, depois do fracasso do Tratado de Tordesilhas D. João III foi convencido que precisava colonizar o território sob ameaça estrangeira e mandou Tomé de Souza, primeiro governador geral, com a tarefa de construir a primeira capital, para qual escolheu nossa região, Salvador, pelos atrativos geográficos de defesa. Missão cumprida! Partiu em retirada. Veio substitui-lo em 1553, Duarte da Costa, trazendo consigo seu ambicioso filho Dom Álvaro. O governo de Duarte da Costa foi marcado pelo flagrante desrespeito de Dom Álvaro aos acordos firmados entre Tomé de Souza e os Tupinambás, expulsando os Povos Originários de suas terras sucessivas vezes, sempre para terras menos férteis e mais afastadas até que o ora homenageado, o Morubixaba Tupinambá, reuniu aproximadamente cinco mil guerreiros para resistirem, montando acampamento em 1555. A resistência não foi suficiente para enfrentar os 120 soldados armados a fogo contra os armamentos rudimentares dos indígenas que foram vencidos e mortos pelos “soldados” que tiveram pouquíssimas baixas.
No entanto, apesar das homenagens póstumas relacionadas aos sacrifícios de vidas serem importantes, reflitamos sobre as possibilidades para além destas dores. O que representa as habilidades ancestrais dos povos originários perdidas por toda ordem de ignorância e insensibilidade obtusada pelos invasores cegos pelas promessas de riquezas materiais? O cantar com as aves, o escutar a terra, a compreensão das divindades nativas, a pajelança, a juremada, o rapé, cada espécie da flora e fana condenada ao extermínio, a pacífica convivência com o ambiente, a vida em coletividade e muito, muito, muito mais.
Como registra na obra Sapiens, Dr. Harari, “... os humanos geralmente usam suas capacidades para aliviar sofrimentos e satisfazer aspirações, decorre que devemos ser mais felizes que nossos ancestrais medievais e que eles devem ter sido mais felizes que os caçadores-coletores da Idade Média”, e continua “novas aptidões, comportamentos e habilidades não necessariamente contribuem para uma vida melhor. Quando os humanos aprenderam a lavrar a terra na Revolução Agrícola, sua capacidade coletiva de moldar seu ambiente aumentou, mas o destino de muitos indivíduos humanos se tornou mais cruel. Os camponeses tinham de trabalhar mais do que os caçadores-coletores para obter alimentos menos variados e nutritivos e estavam muito mais expostos a doenças e à exploração. De maneira similar, a disseminação dos impérios europeus aumentou enormemente o poder coletivo da humanidade, fazendo circular ideias, tecnologias e sementes e abrindo novas rotas de comércio. Mas isso esteve longe de ser um boa notícia para os milhões de africanos, índios americanos e aborígenes australianos. Considerando a comprovada propensão humana para fazer mau uso do poder, parece ingênuo acreditar que quanto mais influência as pessoas tiverem, mais felizes serão”. Reflexões e ensinamentos que contextualizam a inversão de valores dados pelo que chamam de progresso e civilização.
Enfim... muitos outros merecem homenagens. Cada ser indígena morto ou escravizado, ou que tenha se deixado morrer voluntariamente pelo estado de coisas que passara a lhe cercar; cada ser membro das aldeias espalhadas por Pindorama, mas, também, cada ser afastado de suas aldeias pelas práticas aculturadoras ou de tortura racista que tenha sido submetido; cada ser que consegue enfrentar o dia a dia se reconhecendo como indígena em sua essência e busca seu lugar na sociedade; cada ser que hoje levanta sua voz em defesa dos Povos Originários e do que eles representam, enfim, cada ser que é indígena por assim se reconhecer, independente do que os outros lhe digam que seja.
Sim, eis o Dia Nacional da Consciência Indígena.
Peri Rudá, filho de Tupã/SP, ancestrais Xucuru-Cariri (Palmeira dos Índios/AL) e Botocudos (Vitória da Conquista/BA).
Fontes:
Harari, Yuval Noah. Sapiens – Uma Breve História da Humanidade. 25. Ed. – Porto Alegre, RS: L&PM, pg. 388, 2017.
Deixamos aqui uma poesia.
Reflitam!
Índios
Legião Urbana
Quem me dera, ao menos uma vez
Ter de volta todo o ouro que entreguei a quem
Conseguiu me convencer que era prova de amizade
Se alguém levasse embora até o que eu não tinha
Quem me dera, ao menos uma vez
Esquecer que acreditei que era por brincadeira
Que se cortava sempre um pano de chão
De linho nobre e pura seda
Quem me dera, ao menos uma vez
Explicar o que ninguém consegue entender
Que o que aconteceu ainda está por vir
E o futuro não é mais como era antigamente
Quem me dera, ao menos uma vez
Provar que quem tem mais do que precisa ter
Quase sempre se convence que não tem o bastante
Fala demais por não ter nada a dizer
Quem me dera, ao menos uma vez
Que o mais simples fosse visto como o mais importante
Mas nos deram espelhos
E vimos um mundo doente
Quem me dera, ao menos uma vez
Entender como um só Deus ao mesmo tempo é três
E esse mesmo Deus foi morto por vocês
É só maldade, então, deixar um Deus tão triste
Eu quis o perigo e até sangrei sozinho, entenda
Assim pude trazer você de volta pra mim
Quando descobri que é sempre só você
Que me entende do início ao fim
E é só você que tem a cura pro meu vício de insistir
Nessa saudade que eu sinto
De tudo que eu ainda não vi
Quem me dera, ao menos uma vez
Acreditar por um instante em tudo que existe
Acreditar que o mundo é perfeito
E que todas as pessoas são felizes
Quem me dera, ao menos uma vez
Fazer com que o mundo saiba que seu nome
Está em tudo e mesmo assim
Ninguém lhe diz ao menos: Obrigado
Quem me dera, ao menos uma vez
Como a mais bela tribo
Dos mais belos índios
Não ser atacado por ser inocente
Eu quis o perigo e até sangrei sozinho, entenda
Assim pude trazer você de volta pra mim
Quando descobri que é sempre só você
Que me entende do início ao fim
E é só você que tem a cura pro meu vício de insistir
Nessa saudade que eu sinto
De tudo que eu ainda não vi
Nos deram espelhos e vimos um mundo doente
Tentei chorar e não consegui
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